Campinho de Possibilidades

Campinho de Possibilidades
Campinho de Possibilidades
Fotografia e manipulação digital, 2020.
 
 
 
“Na juventude o que mais me importava era jogar bola com meus amigos nas tardes de sexta-feira. Às vezes eu tentava imaginar como seguiríamos nossas vidas, para onde iríamos ou quem seríamos depois que esse tempo maravilhoso passasse. Eu tinha o meu plano, mas não tinha a mínima ideia do que viria a seguir. Hoje percebo que aquele tempo nunca passará, enfim.”
 
A fotografia é de um campo de bairro da minha cidade natal, todos os elementos visuais são originais da imagem e foram organizados apenas por conta do enquadramento. A manipulação consiste na ampliação de pixels da malha da imagem e sua sobreposição com um nível variado de transparência, ressaltando linhas da construção da composição, formas, tonalidades, ou seja, revelando a “materialidade” digital da fotografia. O aspecto “pixelado” contribui também para um esmaecimento tal qual a revelação analógica que se apaga pela ação do tempo.
 
Eu menino de cidade do interior, nascido em 1981, lembro com muito carinho do tempo em que o território da socialização era mais de terra que digital. As únicas redes eram de jogadores improvisados que disputavam nos bairros de suas casas longas pelejas a pés descalços, cansados de buscar a bola no meio do mato (nem as traves tinham redes). Ali tudo era interação: bate papo, curtidas, jogos, discussões e amizades para a vida toda. Para mim o campinho era o lugar do protagonismo: tínhamos nossos papéis baseados nas habilidades (ou a falta delas também), e podíamos colher o reconhecimento por um gol, uma vitória compartilhada e festejada coletivamente. Quase nunca tínhamos uniformes nesse ambiente, muito diferente da escola, onde éramos todos colocados na linha.
 
Foi na escola que fiz a orientação vocacional que me transformou em arquiteto. Seus parâmetros racionais, cartesianos como as retas dos golzinhos, pautavam as escolhas das carreiras “sérias” para a formação de “profissionais de sucesso” e não deixavam muita margem aos meus sonhos artísticos naquele tempo. Interessante perceber como a vida, tal como a natureza, orgânica, desenha sua insubordinação às réguas culturais impostas, qual a arte que segue indômita através dos info-meios que reorganizam as possibilidades de mundo com seu cabresto algorítmico. A revelia do contexto distópico atual, agravado pelos problemas ambientais, epidêmicos, econômicos e políticos, acredito ainda ser possível crer na arte como força natural, transcendental. Se vamos ganhar ou perder não importa, se ao final de cada disputa estivermos juntos, ombro a ombro, no campo da arte.
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